 Dizem que morrera asfixiado. Ninguém se lembra muito bem da data. Mas alguns concordam que deve ter sido entre 1932 e 1935, provavelmente maio ou junho – porque chovia muito e fazia frio. Do nome, entretanto, todos se lembram muito bem: Douglas Macário. Era casado, sem filhos e morava na parte baixa da cidade. O que fazia no abismo? Ninguém nunca soube. Sabe-se que a sua viúva – durante o período em que ainda ficou na cidade – todo ano colocava flores na beirada do abismo; onde se supunha estar o cadáver do seu marido. Supunha-se, evidentemente, porque Douglas Macário jamais fora encontrado. Quando houve o desabamento, consideraram perigoso ir até lá retirar o cadáver. Além disso, dadas as proporções do acidente, nunca se cogitou a hipótese de Macário estar vivo. Por mais que tenha sobrevivido à queda (e pelo que dizem, o fez), o deslizamento que o soterrou fatalmente o matara. A esposa (há quem diga que seu nome era Dora outros que era Áurea) aos poucos foi sumindo. Os anos se passaram e só a viam uma vez por semana nas missas de domingo. Era vista, porém nunca notada. Até que foi definitivamente esquecida.
 Dizem que morrera asfixiado. Ninguém se lembra muito bem da data. Mas alguns concordam que deve ter sido entre 1932 e 1935, provavelmente maio ou junho – porque chovia muito e fazia frio. Do nome, entretanto, todos se lembram muito bem: Douglas Macário. Era casado, sem filhos e morava na parte baixa da cidade. O que fazia no abismo? Ninguém nunca soube. Sabe-se que a sua viúva – durante o período em que ainda ficou na cidade – todo ano colocava flores na beirada do abismo; onde se supunha estar o cadáver do seu marido. Supunha-se, evidentemente, porque Douglas Macário jamais fora encontrado. Quando houve o desabamento, consideraram perigoso ir até lá retirar o cadáver. Além disso, dadas as proporções do acidente, nunca se cogitou a hipótese de Macário estar vivo. Por mais que tenha sobrevivido à queda (e pelo que dizem, o fez), o deslizamento que o soterrou fatalmente o matara. A esposa (há quem diga que seu nome era Dora outros que era Áurea) aos poucos foi sumindo. Os anos se passaram e só a viam uma vez por semana nas missas de domingo. Era vista, porém nunca notada. Até que foi definitivamente esquecida.Só se lembraram dela, quando pela primeira vez o fantasma do marido foi visto vagando nas proximidades do abismo. Um jovem que voltava tarde da casa de sua noiva resolveu esticar um pouco a cavalgada e se perdeu. Ao encontrar o abismo, passou a margeá-lo para achar a ponte e por conseqüência a estrada. Topou com um homem sujo de terra que vagava por ali. Quando cruzaram os olhares, viu-se que no lugar dos olhos havia apenas dois buracos cheios de terra. O peão correu o mais que pode, quase caiu do cavalo direto no abismo. No dia seguinte, descreveu a cena para seus amigos na praça central. Foi Otacílio que se lembrou de Macário.
– É Macário.
- Quem?
- Macário.
- Que Macário?
E não é que a descrição batia com o homem com terra nos olhos? Quando foram informar à senhora Macário (Dora ou Áurea), foram informados pela ex-vizinha de que ela havia se mudado para outra cidade.
- E agora?
- Bom, mas mudou-se para onde.
- Até onde sei, foi morar com uns parentes.
- Mas onde?
De factual, não se tinha mais nada sobre a viúva; a não ser especulações sobre certo amante equatoriano que a levara para sua terra. Ou de que havia se tornado beata em Nova Fronteira.
– Vou lá no abismo à noite perguntar ao fantasma o que ele quer e por que ele voltou do além.
Na primeira noite, como havia trabalhado o dia todo e ainda tinha muito trabalho para o dia seguinte, o coitado do Hermes não pôde ir. Jurou que iria na segunda-feira, mas se esqueceu e saiu com os amigos para uma bebedeira e nunca mais tocou no assunto.
O Newtinho, que era kardecista, conversava com sua finada mãe todas as sextas-feiras no "centro". Ele disse que a mãe havia sabido por outro espírito que o Macário ainda "não sabia que estava morto" e por isso continuava vagando por aí. A falecida mãe, segundo o Newtinho, pediu orações para que o Macário recebesse ajuda espiritual para perceber que estava morto. Havia ainda o risco de ele ser obsedado por uns espíritos que gostam de ficar obsedando outros. Mas ninguém deu muita importância, porque logo depois o fantasma foi visto mais uma vez. Ele estava sentado no beiral de uma janela em frente a igreja da matriz. Quem o viu foi justamente o Dindouro. Logo ele. Nunca acreditou em nada, ateuzão das antigas, deu de cara com a alma penada do pobre Macário. O Dindouro sempre foi um camarada muito difícil, e nunca admitiu ou confirmou que vira o fantasma.
– Isso é história desse povo que não tem mais o que fazer. Além do mais, fantasma não existe.
Mas dizem que o Dindouro apareceu naquela noite na pensão onde morava branco igual leite de virgem, falando que vira a assombração. Contaram que o Dindou teve a seguinte conversa com Macário:
– Dindouro.
– Quem é?
– Sou eu, Macário.
– Macário?
– Sim. Eu quero que peçam para o Padre Antônio rezar a minha missa de sétimo dia.
O Dindouro, vendo tratar-se de coisa ruim, sacou o revolver e disparou dois tiros contra a alma do soterrado.
– Mentira! Viram? Eu nem revolver tenho.
As balas passaram direto pelo espectro que desapareceu depois de soltar uma gargalhada.
A quem diga que o diálogo foi outro, e que o fantasma pedia para salvar a sua esposa que estava prisioneira em uma caravana de ciganos. Mas como o Dindouro se recusa a falar no assunto e nega o ocorrido, nunca saberemos o que o fantasma de Macário quis de verdade com a sua última aparição.
O que ninguém sabia mesmo era quem seria esse tal de Padre Antônio. É bem provável que ele se referia ao Padre André, já que estava de frente da Matriz e o padre de lá é o André.
– Já houve um Padre Antônio aqui na cidade?
– Muito tempo atrás teve um; mas acho que o nome não era Antônio, não.
– Então, ou ele trocou o nome do padre ou o Dindouro ouviu errado.
– Tem certeza que ele falou Antônio, Dindouro?
– Ora, vá para a puta que te pariu!
No fim, resolveram perguntar à mãe do Newtinho que era naquele momento a pessoa mais próxima do finado fantasma.
– Ela mandou falar que um espírito de luz acabou resgatando Macário do Umbral. Agora ele vive feliz instalado em um subúrbio de uma cidade espiritual qualquer que não me lembro o nome. Tem até uma namorada lá. Ele agradece as orações de todos.
– Mas e da missa? Ela não falou nada?
Na ausência de informações concretas, foram pedir ao Padre André que rezasse, por fim, a tal missa de sétimo dia.
– Como é que eu posso rezar uma missa de sétimo dia para uma pessoa que já morreu há não sei quantos anos?
– Mas é a última vontade do falecido, Padre. Não pode contrariar.
– Vamos fazer assim. Na próxima missa de defuntos eu incluo o nome do Macário. Está bom assim?
– Ele falou sétimo dia.
Alguém se lembrou que Antônio, na verdade, era o nome do chefe de terreiro local: Pai Antônio de Logun Ede.
– O Macário era mesmo meio macumbeiro.
– O que significa Macário? É alguma coisa a ver com macumba, não é? Vai ver ele falou pai Antônio.
– E pai-de-santo reza missa?
– Mais ou menos.
No fim, por causa da comoção popular em torno do fantasma do abismo – como ficou conhecido o nosso caro Macário na ocasião –, seu nome foi incluído nas preces da missa de defuntos e deram um dinheirinho para o pai Antônio fazer uma oferenda (ou aquelas coisas que se faz em terreiro), mas não verificaram se ele fez mesmo.
Todos acham que o finado ficou muito feliz, porque foi logo depois disso que Macário realizou o seu primeiro milagre.
 
 


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