quarta-feira, 30 de abril de 2008

The Raskolnikovs

Todas as vezes que acontece um crime que causa comoção popular (como o da Isabela Nardoni e do Farah Jorge Farah), vem gente discutir a pena de morte no Brasil. Apesar de muitos desconhecerem o fato, a Pena de Morte ainda vigora em nosso país. Ou seja, a constituição de 1988 ainda contém em seu texto uma única exceção que levaria um brasileiro a ter sua execução decretada pela justiça. A pena capital é aplicada aqui "apenas" a crimes de guerra que coloquem a soberania da nação em risco. Entre idas e vindas, a pena foi banida desde 1978 para crimes não militares.

Entretanto, há em todo mundo 64 países que ainda mantém a prática em sua constituição para os mais variados "crimes", que vão desde assassinatos em série ou corrupção a adultério e homossexualismo (em alguns países é crime). Os que mais executam pessoas hoje em dia são (por ordem): China, Irã, Paquistão, Iraque, Sudão e Estados Unidos.

Ainda bem que não estamos, por exemplo, na Arábia Saudita. Pois, lá eu poderia ser condenado por apostasia à decapitação com espada. Isso, iria prejudicar as postagens nesse blog.

Sem falar na questão humanitária, tenho dúvidas em relação à funcionalidade da pena de morte. Outro dia li uma estatística da PUC de Campinas, que falava que dos 141 homicídios ocorridos na cidade no ano passado, 40% permanecem sem solução. O que me faz pensar que grande parte dos homicidas, ao cometerem seus delitos, convivem com a possibilidade real de jamais serem pegos. Parecem ser raros os Raskolnikovs hoje em dia (acho que são raros desde sempre).

Contra a pena de morte sempre penso em Sócrates, Jesus, Boécio, Bruno, Jan Hus e Maria Antonieta, Tiradentes e outros desafortunados.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

When the Tigers broke free

Pessoalmente, acho o trabalho do Roger Waters meio mala. Tenho certeza de que grande parte da minha birra com os pink-floyds se deve à simpatia e preferência que sempre tive pelo Syd Barrett - que foi expulso da banda em 1968 - como o grande gênio da turma. Também nunca gostei de o Pink Floyd ter se tornado uma banda de rock progressivo.

Entretanto, tenho enorme simpatia por pessoas, principalmente artistas, que perseguem um tema de maneira obsessiva – na verdade, eu, de fato, os invejo por nunca ter sido capaz de fazer o mesmo. Adoro, por exemplo, as recorrências do Zé Celso ao seu Teatro Oficina, Woody Allen à sua Nova York, João Gilberto e as mesmas músicas de sempre, entre outros que não me lembro agora.

Roger Waters, no caso, é obcecado pela morte de seu pai, Eric Fletcher Waters. Ele morreu quando Roger tinha então 5 meses de idade. Eric Fletcher participou da Batalha de Anzio, na segunda guerra mundial. Por um motivo estratégico os comandantes da operação resolveram retardar a retirada da tropa em que Fletcher estava, mesmo sabendo que isso seria fatal para os fuzileiros. O pai de Waters acabou sendo um entre diversos soldados que perderam a vida por causa dessa decisão.

Roger Waters, ao que parece, nunca foi capaz de superar a perda do pai que jamais conhecera. Sua morte e as circunstâncias em que ela ocorreu passaram a ser tema recorrente em diversos momentos em sua obra. Mas uma música em especial chama atenção pela belíssima letra: When the Tigers broke free. Fora a grande sacada do título (Tigers eram, entre outras coisas, os tanques alemães que a tropa de Fletcher pretendia retardar), a música é belíssima. Waters descreve bem o que aconteceu na Batalha de Anzio, menciona fatos e detalhes bem fiéis aos dados históricos. Para mim, no entanto, o momento mais grandioso da música é quando ele encontra em uma gaveta junto com algumas fotografias antigas a carta de condolências enviada pelo Rei George à sua mãe. Talvez haja aqui haja aquele sentimento inefável - como o de "arrumar o quarto de um filho que já morreu" ou "como uma fisgada no membro que já perdi" Claro que Waters é bem mais sutil do que isso. O Chico Buarque, nessas, bateu abaixo da linha da cintura.

Uma das constatações mais tristes que a filosofia me deu foi a de que o passado não é um lugar. Pode parecer idiota, mas muita gente pensa no passado dessa maneira, como se ele tivesse uma substância e que está lá em um ponto inatingível como algo que tem uma matéria: Lá estão nossa juventude, entes queridos já falecidos e nossos bons momentos. E gostamos de pensar que estão guardados nesse lugar a que chamamos passado. (óbvio que eu estou sendo caricato e que ninguém pensa assim, mas é um rascunho para eu me fazer entender) Todavia, além de não haver nada lá, não existe nenhum lá. Do mesmo modo pensar no passado dessa maneira é um mal uso da linguagem. Não sei se foi Moore ou Wittgenstein que teria dito (estou parafraseando): "Você pode se lembrar do passado, mas esse ato só ocorrer, de fato, no presente". Gosto muito também de uma frase, em geral atribuía ao sofista Antífon, que diz o seguinte "o tempo não é real, é apenas um conceito, uma medida".

Voltando à música. Ao descrever em detalhes a carta de condolências, Waters talvez sinta a perda irreparável e a impossibilidade de passar uma infância na companhia do pai, porque não existe nenhum pai, ele não tem substância e está perdido definitivamente. Nada resta além daquilo que foi esquecido em uma velha gaveta: o selo vermelho do Rei George, a forma de canudo e as letras douradas, que ele encontrou outro dia.

O meu pai, por exemplo, é e sempre será um figura de central importância em minha vida. Sei bem o quanto vale a infância e a vida ao lado de meu pai. Um general, que tem muitos soldados ao seu comando, pode dispor facilmente da vida de alguns se isso lhe for vantajoso. Para um filho é impossível abrir mão de seu único pai. Esse conflito aparece no final da música quando ele canta: "And that's how the High Command took my daddy from me."

A coincidência trágica em tudo é que justamente quando resolve escrever sobre isso, - como se já não bastasse o Alexandre Nardoni – li uma notícia sobre Josef Fritzl. Um austríaco de 72 anos que manteve sua filha - da qual abusava sexualmente desde os 11 anos – no porão por 24 anos e teve com ela 7 filhos. E por que? Com dizia o velho Witt (sempre, sempre, sempre ele) "Se um Leão pudesse falar, nós não o entenderíamos". (Eu jurava que a frase era com um tigre. De qualquer modo, não o entenderíamos, também).

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Larry Walters

Por mais que possa ser trágico o desaparecimento do padre Adelir de Carli ao tentar quebrar o recorde de vôo em balões de aniversário, não consigo deixar de compará-lo a Anne Edson Taylor, aquela que desceu as cataratas do Niagara em um barril, lembram-se? Para mim, tipos como esse padre fazem parte do clube dos malucos suicidas.

Como há a possibilidade de nosso caro padre - tomara que não - estar hoje na cidade dos pés juntos, não vou escrever sobre ele. Já que a história dele ainda está sem o final. Em vez disso, vou falar sobre: Larry Walters. Em 1982, Larry Walters, um motorista de caminhões de Los Angeles, Califórnia, promoveu uma façanha similar à do padre de Carli.

Durante toda sua vida, Larry tentou ser piloto de aviões. Entrou para a aeronáutica, sendo, entretanto, descartado para a função em decorrência de problemas de visão.

Foi então que ele teve uma idéia genial que mudou a sua vida. Comprou 45 balões meteorológicos, encheu-os com gás hélio, amarrou tudo a uma cadeira dobrável – dessas de piquenique –, não se esquecendo de levar uma caixa de isopor com uma cerveja e uns sanduíches, caso sentisse fome ou sede. Para descer quando quisesse, levou uma arma de fogo. Com ela, era só disparar contra os balões e estourá-los. Gênio, não?

Seu plano era voar sobre seu jardim e a vizinhança a uns 10 metros de altura por algumas horas e depois descer. Só que ele não contava com um pequeno detalhe que o obrigaria a fazer uma mudança de planos. Ao cortar a corda que o segurava, em vez de subir os 10 metros planejados, ele subiu só a 5 mil metros de altitude (mais ou menos a mesma altura em que aqueles pára-quedistas que ficam um tempo fazendo acrobacias no ar saltam). Num rompante único de lucidez até o momento, Larry considerou que não seria muito viável atirar nos balões para descer àquela altitude. Assim, passou 14 horas congelando nos céus de Los Angeles, entrou na rota dos aviões (pilotos da TWA e da Delta Airlines reportaram por rádio a presença de um objeto estranho na rota do aeroporto internacional de Los Angeles). Quando hélio dos balões começou enfim a perder pressão Larry começou a descer e descer. Como a dirigibilidade de uma cadeira com balões meteorológicos não é lá muito precisa, Larry acabou aterrissando sobre uma linha de transmissão de energia elétrica. Ficou preso nos cabos elétricos nas proximidades de Long Beach por quase 20 minutos antes de ser resgatado. Reza lenda, que um dos bombeiros teria ficado indignado com Larry e perguntado: "Mas o que diabos você foi fazer lá em cima?" Ao que Larry teria respondido: "Ué? Por que? Não pode?"

Larry deixou seu trabalho como motoristas de caminhões e passou a viver em programas de entrevistas em palestras motivacionais. Até que em 1993, disparou um tiro a queima roupa no próprio coração. Suicídio? Há quem alegue que ele esperava sobreviver a isso inclusive. Para quem se safou de uma morte absurda, até que essa foi uma maneira bem intimista de morrer.

Esse tipo de aventureiro que desafia a morte sempre fascina. O padre Adelir, por exemplo, planejava ficar 20 horas suspenso por balões de festa. Para tanto, usava uma roupa especial que a protegeria do frio, um capacete, um pára-quedas e um GPS que não sabia usar. Bem arriscado não? A gente nem nota, mas algumas vezes o risco mora ao lado - ou passa ao lado. Viu? Então olhe pela janela do seu carro quando estiver em um engarrafamento. Imagine dirigir uma moto a 100 por hora por um corredor de 30 centímetros, onde a qualquer instante um carro pode mudar de faixa e atingi-lo? Só no ano passado morreram mais de 400 na cidade de São Paulo. Hoje de manhã foram mais dois. O trânsito de são Paulo mata por ano mais motociclistas do que o Irã de condenados à morte. Proporcionalmente, morrem mais motociclistas aqui do que aventureiros que saem por aí dependurados em balões de festa. Já nem estou mais achando o padre Adelir tão maluco assim.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Mensagem para o Senhor.

Um dia já fiquei ofendido quando me desejavam um "Vai com Deus", ou "Fica com Deus", "Jesus isso... Jesus aquilo". Isso já passou. Não sou capaz de dizer "amém", jamais serei. Apenas agradeço e penso que esse é apenas o modo de algumas pessoas me desejarem algo de bom. Abstração é tudo, algumas vezes. Entretanto, ainda fico desgostoso quando recebo um e-mail com conteúdo religioso, pior ainda quando me deixam um recado assim no Orkut.

Nunca enviei deliberadamente nenhuma mensagem com conteúdo agnóstico por simples respeito a quem a recebe. Afinal o suprassumo da deselegância, na minha modesta opinião, é mandar mensagens com conteúdo religioso para toda e qualquer pessoa indiscriminadamente. É claro que eu não acho que a pessoa que envia essas mensagens quer me converter. Penso apenas que ela as considera bonitas por lhe trazerem conforto mental e a sensação de paz, que, evidentemente, só podem ser compartilhados por alguém que possua crenças e convicções semelhantes. Enviá-las sem critério sem se preocupar se a pessoa é atéia, espírita, católica, muçulmana, judia, teísta, deísta, agnóstica etc. só as tornam enfadonhas e desnecessárias.

Vou contar duas historinhas para lustrar o que estou falando. (É verdade que nem precisa. Você já entendeu. Mas vou contá-las assim mesmo).

Outro dia um amigo ateu, recebeu em seu perfil no Orkut uma mensagem que enaltecia os valores de Jesus e mencionava uma passagem em João (3: 18-21). Um silogismo básico que eu vou resumir da seguinte forma:
*Jesus é a luz.
* Quem não ama a luz, não o faz, pois suas obras são más.
* Meu amigo não ama Jesus. Então:...
O meu amigo pensou em um primeiro momento que se tratava de uma afronta. Mas como bom ateu que é, relevou e deu de ombros.

O mesmo não aconteceu com um camarada que era da Sagrada Igreja Neopentecostal da Cruzada pela Aliança e Redenção em Cristo, Nosso Senhor, Para a Salvação e Prosperidade da Humanidade (vai ver era outro nome) que trabalhava comigo.
Eu por um acaso estive no meio de uma troca de e-mails. A gênese dessa bagunça começou quando a moça espírita, em um ato completamente sem noção enviou por e-mail uma apresentação de slides (com fotos lindas de bebês, flores e pôr-do-sol) com mensagens de Chico Xavier para todo departamento. O rapaz da Igreja etc. etc. se enfureceu e respondeu com passagens da Bíblia que, na opinião dele, mostravam que o espiritismo era "doutrinas de demônios" (1 Timóteo 4. 1) . Não preciso dizer onde isso foi parar (a não ser que você queira saber; se for o caso faça um comentário que eu te conto) No meio disso, estava eu. Um figura completamente desprovido de deuses, demônios e religiões, filho de um protestante com uma católica, casado com uma espírita, irmão de dois ateus, amigo de católicos, judeus, crentes, macumbeiros, muçulmanos, ateus e agnósticos, que apenas queria ser deixado em paz e não receber e-mails religiosos.

Nada muda

- O dia está diferente hoje.
- Como?
- O dia. Está diferente.
- Ah, sim. Como?
- Diferente.
- Diferente? Diferente como?
- Sei lá. Diferente.
- Ahm.
- ...
- ...
- Todos os dias são. Quer dizer, alguns não. Mas têm dias que são todos muito iguais. Iguais...
- Hum-hum.
- Hoje não. Não sei. Mas hoje é diferente. (...) Eu vou embora...
- ...
- Estou indo embora. Eu vou te deixar. Estou te deixando.
- Eu já sabia.
- Sabia?
- É.
- E então?
- Então nada.
- Nada?
- Não. Olha, aliás, você demorou. Mais do que eu imaginava... Mais do que eu imaginei que iria.
- Não, não. Eu não queria. Eu tentei. O seu problema é que você sempre pensa no pior. Você sempre espera pelo pior. E quando acontece algo que é ruim, é como você se comporta. Como se nada pudesse ser feito.
Como se já soubesse. Como se fosse uma fatalidade inevitável.
- Eu não queria...
- Não queria, mas não fez nada.
- ...
- Olha, eu não conheci ninguém. Eu não estou interessada em outro. Eu ainda te amo, mas não posso suportar mais...
- Eu sei.
- Pára. Pára de dizer eu sei, eu sabia. Por que?
- ...
- ...
- Eu. Eu vou para ficar num flat. É aqui na...
- Não. Fica aqui. Saio eu. Deixa.
- Um dia as coisas vão ser claras. Tudo o que está escondido há de ser revelado. O mundo se fará homem.
- Não importa. A relação com o todo não mudará.
- Nada muda.
- O nada muda?
- Nada. Nada muda.
- Exceto a mudança
- Eu mudei.
- Nada muda.
- Qual a diferença entre nada e "o nada"?
- Nada muda.
- Não existe "o nada".
- O conceito existe. E você entende o que eu quero dizer.
- Não, não entendo o que você quer dizer quando diz: "Nada muda".
- O que as pessoas querem dizer quando dizem: "Nada muda"?
- Eu não sei o que as pessoas querem dizer. Só sei o que as pessoas dizem. Se elas querem dizer e não dizem é ou porque não sabem se expressar ou porque não podem se expressar. Ou, ainda, não querem.
- É. É verdade.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Adbias Abdul Abdei

Quando criança – não me lembro exatamente em que idade –, meu pai me contava as histórias de um personagem que havia criado.E por ser um sujeito muito bem-humorado e engraçado seu super-herói fugia um pouco dos padrões; tinha um nome bem singular: Abdias Abdul Abdei.

A história desse herói era realmente impar. Abdias Abdul Abdei, fôra um dia o japonês Joaquim da Silva, isso até comer um estrume de vaca que havia sido bombardeado por raios laser provenientes de um disco voador de origem desconhecida. Ele não se transformara logo em Abdias Abdul Abdei, o japonês, Joaquim da Silva tornou-se Gertrudes, a telefonista.

Conhecendo os pais de hoje, sei que muitos deles torceriam o nariz para esse tipo de androgenia. Um jovem pai disse que não gostava que o filhão assistisse aos desenhos do Bob Esponja, que como todos sabemos é homossexual assumido. O japonês Joaquim da Silva foi o primeiro caso de mudança de sexo que tive notícia. Que eu me lembre a coisa não parava por aí. Essa Gertrudes ao gritar o nome Aaaa-bdias... Aaaaa-bdul... Aaaaa-bdei, transformava-se então no tal. O porquê de alguma pessoa, algum dia de sua vida, vir, por um acaso, a pronunciar tal nome (assim como o porquê de um japonês ter comido esterco – bom, vai ver que ele leu na bíblia: Ezequiel 4:12) nunca sequer passou pela minha cabeça. Essas questões nem viam ao caso.

O tal do Abdias era um tipo atrapalhado, feio, não dispunha de absolutamente nenhum superpoder. Era um típico anti-herói. Contra quem ele lutava? Jamais se soube. Sei que um belo dia, ao receber a notícia de que sua mãe (?) tinha um problema no abdômen, indagou: Abdômen? Pronto, transformu-se no destemido Abdômen! Forte, robusto e bonitão, Abdômen combatia o crime com a ajuda do cehfe de polícia, e seu maior inimigo era o vilão Abnegado, que por sinal era ele próprio depois de saborear uma deliciosa mandioca. Bom, basicamente essa era a estrutura da série de histórias que meu pai me contava. Lamentavelmente, eu não me lembro de nenhuma em particular.

Se é que alguém teve a paciência de chegar até aqui após ler toda essa maluquice, pôde perceber que o herói criado por meu pai era uma espécie de transformista, pansexual, com distúrbio de personalidade (o Bob Esponja perde de goleada). É engraçado como reunia todos os arquétipos tradicionais em um só: era mocinha, o bufão, o herói e também o vilão (sem falar que ele ainda era o pobre camponês comedor de estrume). Na verdade, Abdias era a oposição entre a dualidade entre bom e mal e a planificação dos personagens infantis.

Minha memória é bem curta. Tenho uma limitação abissal de souvenires de meu passado guardados comigo. Wittgenstein (sempre ele), chegou a dizer – no final do Blue Book, salvo engano – que só o presente era o caso (estou parafraseando); já que nós precisamos dele para trazer de volta as lembranças do passado, e esse passado só se realizam de fato no presente. Assim, às vezes, reservamos um momento ou outro que nos faz sorrir no canto da boca nos lembrando de nossos souvenires de tempos atrás.

Bom, mas essas histórias talvez tenham me ajudado a esquecer os "quando", "porque", "para quê". Além de me deram uma boa bagagem para entender, por exemplo, Monty Python e filosofia da linguagem. Sabe, aquela coisa, não é porque você consegue formular perguntas que com "Por que" + "substantivo" + "verbo" + "adjetivo" (ou seja lá qual seja a variação) é que tenha de ser assombrado pela dúvida que ela provoca.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Filosofia de folhetim

Confesso que fico intrigado quando um tablóide ou semanário surge com uma "abordagem filosófica" para um tema polêmico. Deve existir editor que precisa desesperadamente de uma resposta que venha calar os "por que?... por que?..." que fica ecoando em seu espírito. Como para alguns, a filosofia é apenas a versão revista e ampliada do "Guia do Curioso", a resposta pode sair de lá. Aí fica parecendo que a filosofia é uma espécie de manual de explicações, lá encontramos o "certo", o "errado" e os "porquês" e o "etc."

Por mais que se entrevistem filósofos e filósofos sobre temas como a comoção popular diante de um crime ou qualquer outro assunto, dificilmente haverá um acordo entre todos.

No recente caso da morte da garota Isabella Nardoni em São Paulo, ao tentar explicar o grande interesse do público no assunto, vários veículos de mídia recorreram a psicólogos, sociólogos e, a nova moda, a filósofos. Um dos jornais falava em quebra do "Contrato Social" e outro de "Imperativo Categórico" e por aí vai. Claro que se pode usar ambos para explicar o que acontece. Mas poderíamos usar também, por exemplo, "Lei Natural". Que tal?

O que há de efetivo nessas explicações? Bom, esses termos surgiram na filosofia justamente para tentar fornecer explicações a questões como essa e sob esse aspecto elas são válidas. Não são, contudo, conclusivas como foi dito nas reportagens. É um dos cuidados que se deve ter ao trata um assunto à luz da filosofia. Isso, é claro, no caso de você não ser um filósofo formulando um pensamento ou coisa que o valha.

Isso porque uma pergunta às vezes não tem necessariamente uma resposta filosófica (ou melhor: uma resposta filosófica conclusiva). O jornalista, ao formular uma pergunta com um porquê, supõe que exista uma resposta ou que deva haver uma, e, quem sabe, supões também que pode chegar a ela por meio da investigação. Como esse processo é bem similar ao de alguns filósofos, que em geral estão sempre ocupados em responder perguntas cabeludas. O jornalista nesses casos pega um atalho e pergunta ao filósofo. Dependendo do filósofo, ele vai obter uma resposta X ou Y, ambas com validade, ou pode ter uma resposta igual a zero, também com validade.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Um filósofo bem trapaceiro


Outro dia, um sujeito filósofo veio à empresa em que eu trabalho e produziu um falso equivoco similar a este. Ele narrava um acontecimento em que havia ido a uma empresa fazer uma palestra e tivera um contratempo com a recepcionista. O episódio, segundo suas palavras, foi mais ou menos assim (estou parafraseando):

- Bom dia, eu vim falar com o presidente da empresa.

- Qual o seu nome por gentileza?

- Professor Fulano de Tal

- De onde?

- De onde vim? – perguntou o filósofo – Não sei nem se vim de algum lugar.

- De onde o senhor é.

- No momento a única coisa que posso afirmar é que sou do lado de cá do balcão.

Em seguida ele narrou como a recepcionista chamou o segurança e como ele no fim triunfou, quando presidente do banco chamou a atenção da recepcionista, blá, blá, blá.

O professor (filósofo) Fulano de Tal transformou o jargão comum empregado por uma recepcionista em uma questão filosófica.

Transformar questões triviais em questões filosóficas não é um processo complicado. Aliás, é bem simples. Principalmente, quando estão envolvidas palavras como "onde", "quando", "pensamento", "tudo" "bem" etc. Desse modo a pergunta "De onde você vem" pode na cabeça de um mau filósofo se tornar uma questão absolutamente sem resposta. Ainda mais diante de um filósofo virtuose como este camarada.

Para a recepcionista, o segurança, o presidente do banco e para mim, inclusive, a pergunta é absolutamente pertinente. Isso porque envolve questões cotidianas normalmente aceitas de comum acordo. Pertencentes ao senso comum.

O que o filósofo da nossa história fez foi subtrair o sentido do senso comum e dar a ele uma nova roupagem. Mostrando que o senso comum está errado em considerar a questão “De onde o sr. Vem” como uma questão trivial. Porque, para esse sujeito obviamente, essa questão só pode ser respondida mediante um longa reflexão.

Problemas como esse são problemas fabricados. Trata-se de um mal-entendido provocados à revelia da lógica. Deixe-me dar um exemplo. Uma pessoa se dirige a um gramático e lhe pergunta: "Quantas horas". A mensagem é obviamente compreendida e pode ser perfeitamente respondida. Contudo um dos interlocutores, o gramático, considera que a pergunta não tem validade por não respeitar o padrão normativo da língua. Desse modo, o gramático se comporta como se não tivesse entendido a pergunta, criando uma falsa incompreensão de uma sentença corriqueira. O seu objetivo é dizer ao seu interlocutor (ou puni-lo com a incompreensão) pelo uso incorreto das normas e padrões da língua.

O problema com o gramático é simples de ser resolvido, já que a gramática da língua é – em quase todos os aspectos – definida. Então, basta seguir à risca as normas e regras gramaticais que a comunicação é perfeitamente possível. Um gramático jamais questionaria a construção da frase "De onde você vem?". Porque do único ponto de vista que poderia interessar ao gramático ela está correta.

Já o mau filósofo vê na questão um enigma cósmico. Por que? Simplesmente porque ele trapaceia com a linguagem. De posse de sua autoridade, ele a tira do senso comum e a torna propriedade de seus iguais. Já que não se conhecem regras definidas nesse caso, o mal entendido se perpetua com figuras como essa.

O milagre do vinho

Sei que é muito pedante, mas vou começar citando Voltaire. Voltaire discorreu páginas e páginas a cerca dos milagres atribuídos a divindades. Eu por acaso li pouquíssimas. Li basicamente um texto que sintetizava a coisa toda e dava uma idéia básica do que ele quis dizer quando torcia o nariz para milagres.

Ele contestava a importância do milagre como uma afirmação da fé em um Deus perfeito e onipotente (como alguns que existem ou não). Se Deus era perfeito, sua obra também deveria ser. Mesmo no que consideramos imperfeito, haveria ali um equilíbrio que tornaria o conjunto perfeito. Aí então o milagre seria uma intervenção de Deus na sua obra já perfeita. Ou seja, seria um reparo ali e outro aqui para arrumar algo que já é perfeito... ou não? Ou então há-de se questionar sobre a verdadeira perfeição da obra.

Deixe-me ser mais claro, ok? Suponhamos um relojoeiro perfeito, o relógio produzido por ele deveria ser perfeito. Se esse relógio precisasse de reparos o tempo todo, então onde estaria a perfeição.

Eu não sei se alguém já refutou isso. É bem, provável que sim, aliás, é deve até ser bem simples.
Bastaria dizer que a perfeição também é a necessidade de consertar as coisas para que a presença divina seja sentida. É um exemplo... ok. Bem ruim. Mas isso, além de não vir ao caso, é só para ilustrar o que eu quero dizer.

Eu sempre fiquei intrigado com essas religiões que fazem do milagre uma moeda de troca. Ou seja, eu me comunico telepaticamente com um Deus, peço a ele um emprego, um carro novo um favor pessoal qualquer em troca de bajulação eterna. O camarada por vezes recorre a esse contato telepático que tem com o soberano só para lembrar-Lhe que Ele é o maioral, o bonzão e coisa e tal. Sempre me intrigou a troca de favores pessoais por bajulação, seja com seu chefe, seu tio ou seu Deus.

Wittgenstein tinha, a meu ver, uma atitude exemplar, filho de um judeu convertido ao protestantismo e de uma judia convertida ao catolicismo, sua conduta religiosa era digna de nota. Quando lutou na primeira guerra, alistou-se no exército do império austro-húngaro e pediu para ser colocado na linha de frente. Em suas cartas as suas irmãs e colegas de Cambridge, Wittgenstein fala de balas que passavam voando sobre sua cabeça. Ele nunca rezou pedindo que seu Deus desviasse as balas de sua cabeça, mas sempre orou por coragem e iluminação.Wittgenstein acabou saindo vivo do conflito e foi durante esse período que escreveu o Tractatus Logico-Philosophicus.

Eu por exemplo só tive uma experiência milagrosa na vida. E se por isso tivesse de ser devoto de alguma deidade, essa seria Dionísio. Meu milagre, em geral vem engarrafado e dependendo do quanto você quer empenhar é maior ou menor, tinto ou branco, francês, italiano, espanhol, português, australiano, californiano, chileno e até (olha só!) argentino.

Annie Edson Taylor

Ela nunca escreveu nada, não é cantora, compositora, atriz, modelo, modelo e atriz, filha de dono de hotel ou ativista de alguma causa importante qualquer. Annie Edson Taylor poderia ser uma pessoa como eu ou você, se em 24 de outubro de 1901, (há 107 anos) ela não tivesse descido as cataratas do Niagara em um barril. Ela não foi a primeira a fazer isso, mas foi a primeira a chegar lá embaixo viva. Annie usou, para a travessia, um confiabilíssimo barril de picles forrado com um colchão. Precavida que era, testou seu equipamento primeiramente com um gato, que lamentavelmente não sobreviveu à queda. Mas isso não vem ao caso. O que importa é que Anne considerou essa experiência um sucesso e meteu-se ela mesma no barril para enfrentar o grande desafio de sua vida. Mas aí havia um problema. Ela precisava de alguém para empurrar o barril para dentro do rio. Para sua infelicidade o único maluco que ela conhecia era ela própria; além do mais ninguém queria ser cúmplice de um evidente suicídio. Nunca se soube quem a ajudou ou se alguém a ajudou, o que importa é que Anne desceu as cataratas e chegou ao seu objetivo viva, mas um tanto machucada.

Annie se tornou uma celebridade depois disso. Ela e seu barril eram convidados a shows e eventos diversos. Até que um belo dia, o agente de Annie deu no pé e levou consigo o barril. Sem ele (o barril e não o agente), ela não era mais do que um pavão sem rabo. Assim, gastou todo o dinheiro que ganhara até então com detetives e investigadores na tentativa de reaver o seu companheiro de travessia. Mas lamentavelmente, todo o capital se foi e o barril continuou desaparecido (alguns disseram que ele foi visto em Chicago, mas a informação nunca foi confirmada). Annie terminou seus dias nas cataratas do Niagara. Ela cobrava uma pequena quantia dos turistas para tirar fotos com ela.

Em 29 de abril de 1921, Annie sentiu-se mal e foi levada à enfermaria da comarca do Niagara, mas acabou falecendo aos 82 anos. Annie morreu no mesmo lugar em que não morrera 20 anos atrás e ali mesmo foi sepultada.

Democracia ou Macarrão.

Navegando na Wikipédia, descobri um fato curioso: no dia 25 de outubro se celebra tanto o dia da democracia quanto o dia do macarrão. Democracia tem a ver com macarrão? Bom, isso eu não sei. Use o seu poder de abstração. Há quem diga que tem a ver com pizza, por exemplo.

Democracia tem um sentido bem amplo, mas – em linhas gerais – pode ser entendido como o sistema político em que a vontade da maioria é acatada, mas que, sobretudo, respeita o direito de as minorias se expressarem. (Você pode ter uma definição melhor consultando a Wikipedia ou um dicionário, vá lá) .

Macarrão é como aquelas figuras humildes, como eu, chamam o spaghetti, o penne rigate, o fusilli, o tagliarini, o farfalle e o fettuccine.

Uma coisa boa de um regime verdadeiramente democrático é que ele minimiza o número de déspotas no poder (Não. Por mais que você não goste de Bush, Blair, Lula, Chavez e Cia. Não dá para chamá-los de déspotas). Quer dizer: chegar ao poder até chegam. Podem, por exemplo, até dizer que o partido Nazista chegou ao poder por meio das eleições, mas não dá para dizer que eles promoveram um governo democrático ao se estabelecerem no poder. E o Bush, gostem ou não, vai sair no ano que vem.

Democracia é boa? Por mais que nos abstenhamos de debater sobre os elementos que estão envolvidos na resposta, ela jamais será conclusiva. Todos nós sabemos que negar a democracia não significa defender a ditadura, claro. Embora muitos gostem que acreditemos que exista essa dualidade, ela, de fato, não se sustenta.

Eu diria que o que estraga a democracia e justamente o fato de se precisar de um governo. E a exceção dos gnomos e dos finlandeses (e olha que tem muita gente dizendo que finlandeses não existem) quase ninguém é 100% satisfeito como o governo que escolheu para si.

Olha, eu também não saberia responder a perguntas como: "Macarrão é bom?" Provavelmente eu diria que "macarrão, dependendo do modo de preparo, é gostoso". Com isso vemos que o problema está nas palavras e não na democracia em si (seja lá o que venha a significar a expressão "algo em si").

Vejamos por exemplo um grande exercício da democracia: eleições. Na passada, tivemos quatro deputados campeões de votos, pela ordem: Maluf, Ciro Gomes, Celso Russomano e Clodovil.

Uma velhinha, uma vez, confessou em público que votara no Clodovil para deputado. Quando todos protestaram, dona Isaurinha nos contou que em 1958, havia escrito na cédula o nome do rinoceronte Cacareco para vereador (ele teve por volta de 100 mil – o partido mais votado teve 95 mil –, sua candidatura fora uma invenção do jornalista Itaboraí Martins, em protesto contra o baixo nível dos 450 concorrentes). Ela se dizia infeliz com o advento da urna eletrônica que havia limado protestos bem-humorados como esse. Clodovil apareceu como candidato em um momento de grande desilusão política, e ela o havia enxergado como uma chance de ressuscitar o espírito do finado Cacareco. O que ela não contava é que Cacareco como bom rinoceronte, nunca escondeu suas verdadeiras intenções – aliás, estavam na cara. Já o nosso estilista deputado, mostrou-se afeito ao troca-troca, e já pulou para a base do governo. Parafraseando aquele cronista esportivo metafísico: "A nível de caráter, Clodovil não dá meio Cacareco"

Acontece que o Clodovil descobriu um novo nicho para as celebridades decadentes. É o que eu sempre digo se uma celebridade decadente tem algum caráter vai fazer filme pornô, se não tem nenhum entra para a política.

Nas próximas eleições, teremos Sérgio Mallandro candidato a vereador em São Paulo pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Talvez o Sérgio Mallandro seja a síntese dos políticos brasileiros: fez carreira como malandro e nas eleições posa de trabalhista. Não duvido nada que ele seja eleito. Mas eu gostaria que no dia da posse o Mallandro trabalhista pedisse a palavra, subisse a tribuna e gritasse: "Ráááááááa. É pegadinha!"

E como perguntaria o Silvio Santos: "E o macarrão?" Isso não vem ao caso.

O Gramático



"O gramático

Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou."

Oswald de Andrade
Pau Brasil, 1925

É exatamente assim que eu me sinto ao meu respeito. Uma pessoa que dá palpites em absolutamente todos os assuntos. Meu irmão diz que eu sou um cara como Galvão Bueno, Caetano Veloso e Jô Soares: pessoas que acham que sabem tudo sobre absolutamente todos os assuntos.

Quando quis fazer esse blog, soube que seria um espaço para dar palpites sobre todos os assuntos, entenda ou não deles. Sei que em muitas vezes a minha opinião sobre as coisa é "sipantarrou", mas nem por isso perco a oportunidade ficar calado. Por essas razões me veio o nome do poema do Oswald para nomear esse blog.

Bem-vindo ao "O Gramático"