domingo, 11 de maio de 2008

A incrível candidatura secreta de José dos Santos

Já quis muito escrever sobre um outro personagem da minha infância: José dos Santos e a sua candidatura secreta a vereador. Diferentemente de Abdias Abdul Abdei, o meu personagem é baseado em uma pessoa que de fato existiu, o evento que descrevo também é similar ao que de fato aconteceu.

Já fiz vários esboços de contos e até escrevi um que considerei acabado (felizmente perdido). Um amigo dizia que história era boa, mas o problema era o meu conto: "Uma coisa muito modernosa", disse na ocasião.

Sei muito pouco - quase nada - sobre o que de fato correu. O caso ocorreu há muito e foi relatado en passant por meu pai, que trabalhava com o personagem em questão, desse modo tudo o que for dito aqui, o será de uma forma bem romanceada. Ok?

Decidi retomar essa história por causa desse Blog. Eu, muitas vezes, penso que escrevo para ninguém. Tenho quase absoluta certeza de que ninguém me lê. O meu objetivo já foi ser lido, hoje é só escrever. Por essa razão me acho muito parecido com a candidatura de José dos Santos a vereador.

O que narro a partir daqui é apenas uma homenagem a essa personalidade e não tem quase nenhuma, muito pouca, conexão com o fato real.


Quando descobriram que ele era candidato, foi quase um desespero para José dos Santos. Tal foi o constrangimento que um dos presentes chegou a dizer: - Pode deixar, Zé, a gente não conta para ninguém.

Para ele era uma chateasse incomensurável, uma deselegância, o ato de pedir votos. Sonhava com a democracia grega, com um sorteio...

Quando saíram as listas com o nome dos candidatos notou que o seu nome aparecia duas vezes

- Como assim? Os números, no entanto, eram diferentes. Fora informado que havia um outro candidato de mesmo nome na cidade e que registrara um nome igual. Recomendaram que fizesse propaganda destacando o seu número em vez do nome. “- Propaganda? Jamais.” Para quê eleições? Por que não o método da democracia da Grécia? Sorteamos o cidadão e pronto, está eleito. Neste instante lhe ocorreu como estávamos atrasados em relação aos gregos: “- Perto deles somos uns chimpanzés, uns australopitecos.”

Quem sabe se o outro José dos Santos fosse bem votado, talvez sobrassem alguns votos para este. Não muitos, só o suficiente para ser eleito vereador. Mas nunca havia visto nenhuma propaganda de seu homônimo. Algumas pessoas registram seus nomes verdadeiros apenas por obrigação – a lei eleitoral exige –, mas fazem propaganda de seus apelido, vai ver era esse o caso. Ou não. Pode ser que seu outro compartilhasse da mesma convicção. Quem sabe?

Todos os dias em que subia no ônibus da empresa passou a procurar lugares vagos, para que não pensassem que estava sentando ao lado de alguém para lhe pedir votos; e mesmo que não o fizesse verbalmente, sentar-se ao lado de alguém poderia funcionar para intimidar o camarada e lhe conferir o seu voto. Isso, definitivamente, era o que José não queria de maneira nenhuma. Ele só desejava os votos espontâneos e de peito aberto, de pessoas que realmente acreditassem na sua capacidade e integridade; "-Quem seriam essas pessoas? Afinal, ninguém me conhece a fundo. Dá para perceber que sou honesto e competente?" Passou a evitar os colegas, principalmente quando havia uma rodinha de amigos, dessas fugia categoricamente. Com o tempo, passou a não cruzar olhares com as pessoas, fossem elas amigas, familiares ou colegas de trabalho.

Pensava com freqüência no suicídio de Getúlio Vargas: o ato extremo redentor “- Alguém que imputa a si mesmo a pena máxima só podia ser inocente.” O que o Getúlio queria? Afinal, não era ser reeleito. “- Seria capaz?”

Despertou no meio da noite. Sonhara com um tiro no peito um dia antes da eleição. Ofegante tateou por dentro do pijama e não encontrou nada. Suor, apenas. A cabeça parecia girar e em seu íntimo sentia uma sensação de tragédia inevitável. “- O que será, meu Deus?” Dias depois veio um telefonema do partido. Iriam organizar um comício na cidade. O candidato a prefeitura discursaria antes de um show sertanejo. José não poderia falar, evidentemente. Mas poderia ficar ali no palco ao lado do candidato a prefeito. Durante o show, ele poderia distribuir alguns panfletos. “- Você fez panfletos.” “-Não, ainda não tive tempo.” “- Você vai?” “- Eu vou. Afinal, é uma oportunidade”.

Como não poderia falar? Que absurdo. Então ele era o quê? Um mero aparato de uma candidatura maior. Ele tinha idéias. Tinha planos. Bons planos. Panfletos só fazem sujar a cidade. São uma indecência.

No dia marcado, comparecera. Subiu ao palco e lá se encostara na lateral mais à esquerda do palco, próximo à coluna de caixas acústicas. O candidato a prefeitura discursava inflamadamente. A cada crítica ao seu opositor, seus correligionários urravam. José urrou só algumas vezes. O sangue lhe havia subido às faces. Corou. Ao final desceu do palco e caminhou para casa. Já longe ouvia os primeiros cumprimentos dos cantores sertanejos ao público. “- Definitivamente, não nasci para a politicagem.”

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