sexta-feira, 2 de maio de 2008

Memória musical

Quando se é criança o dinheiro é sempre escasso. Isso é até bom, já que você não fica por aí exercitando o seu consumismo. No mais, você arruma um modo de fazer o que precisa com os recursos que dispõe.
No meu caso, eu nunca me preocupei em em ter de arrumar algo para comer nem precisei pensar em procurar onde morar. Como a maioria das crianças da classe média, só fui trabalhar depois de adulto. Eu recebia uma mesada do meu pai, que era mais do que eu precisava e bem mais do que eu merecia (bom, eu não pensava assim na época, é verdade).
Com mais ou menos 10 anos comecei a me interessar por música quando meu pai comprou um aparelho de som. Era um maravilhoso 3 em 1 com um reloginho digital verde fosforescente, que era também despertador.
Naqueles tempos, já existiam os rádios relógios, mas eram muito caros, aliás todo equipamento eletrônico era caro. Por isso, meu pai aproveitou para comprar um que agregava tudo: toca-discos, toca-fitas, e radio relógio. Todos os dias despertava todos da casa ligando na única rádio de Itumbiara e acordava a casa toda. O meu pai sempre se levantava e saia correndo do seu quarto até a sala para desligá-lo. Durante alguns anos da minha vida, eu passei acordando com as canções sertanejas da rádio AM de Itumbiara, no interior de Goiás, que salvo engano se chamava Rádio Paranaíba AM. A FM só chegou por lá em 1986.Eu falava da minha primeira relação com a música. Por questões financeiras, eu preferia comprar fitas cassete gravadas a discos de vinil (mais tarde, graças ao Plano Cruzado, passe a consumir vinis com voracidade). Como eu me interessava por música pop da época, era difícil encontrar um disco que me agradasse na íntegra, desse modo eu ia a uma loja no centro da cidade e escolhia umas músicas para serem gravadas em uma fita cassete.
Funcionava da seguinte forma, o vendedor separava os discos com os sucessos do momento e tocava algumas músicas para você ouvir. Em geral ele já colocava a agulha bem em cima do refrão, para que você identificasse logo a música. Assim você ia dizendo ao vendedor qual música você queria e ele ia anotando em um caderno. Podia-se escolher ao todo 16 músicas (8 de cada lado) para ser gravada nas fitas Basf de em geral 60 minutos. Depois disso, você ia embora e voltava um dia ou dois depois para buscar a sua fita gravada, com direito a capinha com o nome das músicas datilografada e com o seu nome na lateral. A lógica era simples. Ao comprar um disco, você estava condenado a ficar com aquelas músicas, com a fita você poderia regravar se enjoasse das músicas, nesse caso era só levar a sua fita novamente à loja e escolher outras músicas que você pagaria só a gravação.Eu deveria ter umas 10 tapes. A primeira fita que gravei abria com os inesquecíveis Spider Murphy Gang - Ich Schau Dich An, e I don´t wanna dance do Eddy Grant, a terceira era Billie Jean do Michael Jackson. Tinha também Radio Ga-Ga do Queen (como bem lembrou meu irmão), Naked Eyes - Always Something There to Remind Me e por aí vai.
É engraçado como posso quase me lembrar de quase todas músicas de uma fita gravada há mais de vinte anos. Meu universo musical, quando possuía apenas 10 fitas cassetes, estava resumido a pouco mais e 80 músicas, hoje tenho ao todo mais de quatro mil músicas. Uma lista com praticamente tudo o que se pode imaginar, que vai de Shostakovich até Xatuba de Mesquita. Quando garoto, eu mal poderia sonhar com essa quantidade de músicas. É bem provável que a principal discoteca de Itumbiara não tivesse um volume tão grande. Hoje, não faz muita diferença. Se as 4 mil não são suficientes, eu sei onde posso conseguir mais em poucos minutos. Basta pensar em uma música que rapidinho ela já está no meu computador, no MP3 portátil, no som do carro.
O mais engraçado é que a maioria das vezes, eu não quero ouvir nada.

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