segunda-feira, 28 de abril de 2008

When the Tigers broke free

Pessoalmente, acho o trabalho do Roger Waters meio mala. Tenho certeza de que grande parte da minha birra com os pink-floyds se deve à simpatia e preferência que sempre tive pelo Syd Barrett - que foi expulso da banda em 1968 - como o grande gênio da turma. Também nunca gostei de o Pink Floyd ter se tornado uma banda de rock progressivo.

Entretanto, tenho enorme simpatia por pessoas, principalmente artistas, que perseguem um tema de maneira obsessiva – na verdade, eu, de fato, os invejo por nunca ter sido capaz de fazer o mesmo. Adoro, por exemplo, as recorrências do Zé Celso ao seu Teatro Oficina, Woody Allen à sua Nova York, João Gilberto e as mesmas músicas de sempre, entre outros que não me lembro agora.

Roger Waters, no caso, é obcecado pela morte de seu pai, Eric Fletcher Waters. Ele morreu quando Roger tinha então 5 meses de idade. Eric Fletcher participou da Batalha de Anzio, na segunda guerra mundial. Por um motivo estratégico os comandantes da operação resolveram retardar a retirada da tropa em que Fletcher estava, mesmo sabendo que isso seria fatal para os fuzileiros. O pai de Waters acabou sendo um entre diversos soldados que perderam a vida por causa dessa decisão.

Roger Waters, ao que parece, nunca foi capaz de superar a perda do pai que jamais conhecera. Sua morte e as circunstâncias em que ela ocorreu passaram a ser tema recorrente em diversos momentos em sua obra. Mas uma música em especial chama atenção pela belíssima letra: When the Tigers broke free. Fora a grande sacada do título (Tigers eram, entre outras coisas, os tanques alemães que a tropa de Fletcher pretendia retardar), a música é belíssima. Waters descreve bem o que aconteceu na Batalha de Anzio, menciona fatos e detalhes bem fiéis aos dados históricos. Para mim, no entanto, o momento mais grandioso da música é quando ele encontra em uma gaveta junto com algumas fotografias antigas a carta de condolências enviada pelo Rei George à sua mãe. Talvez haja aqui haja aquele sentimento inefável - como o de "arrumar o quarto de um filho que já morreu" ou "como uma fisgada no membro que já perdi" Claro que Waters é bem mais sutil do que isso. O Chico Buarque, nessas, bateu abaixo da linha da cintura.

Uma das constatações mais tristes que a filosofia me deu foi a de que o passado não é um lugar. Pode parecer idiota, mas muita gente pensa no passado dessa maneira, como se ele tivesse uma substância e que está lá em um ponto inatingível como algo que tem uma matéria: Lá estão nossa juventude, entes queridos já falecidos e nossos bons momentos. E gostamos de pensar que estão guardados nesse lugar a que chamamos passado. (óbvio que eu estou sendo caricato e que ninguém pensa assim, mas é um rascunho para eu me fazer entender) Todavia, além de não haver nada lá, não existe nenhum lá. Do mesmo modo pensar no passado dessa maneira é um mal uso da linguagem. Não sei se foi Moore ou Wittgenstein que teria dito (estou parafraseando): "Você pode se lembrar do passado, mas esse ato só ocorrer, de fato, no presente". Gosto muito também de uma frase, em geral atribuía ao sofista Antífon, que diz o seguinte "o tempo não é real, é apenas um conceito, uma medida".

Voltando à música. Ao descrever em detalhes a carta de condolências, Waters talvez sinta a perda irreparável e a impossibilidade de passar uma infância na companhia do pai, porque não existe nenhum pai, ele não tem substância e está perdido definitivamente. Nada resta além daquilo que foi esquecido em uma velha gaveta: o selo vermelho do Rei George, a forma de canudo e as letras douradas, que ele encontrou outro dia.

O meu pai, por exemplo, é e sempre será um figura de central importância em minha vida. Sei bem o quanto vale a infância e a vida ao lado de meu pai. Um general, que tem muitos soldados ao seu comando, pode dispor facilmente da vida de alguns se isso lhe for vantajoso. Para um filho é impossível abrir mão de seu único pai. Esse conflito aparece no final da música quando ele canta: "And that's how the High Command took my daddy from me."

A coincidência trágica em tudo é que justamente quando resolve escrever sobre isso, - como se já não bastasse o Alexandre Nardoni – li uma notícia sobre Josef Fritzl. Um austríaco de 72 anos que manteve sua filha - da qual abusava sexualmente desde os 11 anos – no porão por 24 anos e teve com ela 7 filhos. E por que? Com dizia o velho Witt (sempre, sempre, sempre ele) "Se um Leão pudesse falar, nós não o entenderíamos". (Eu jurava que a frase era com um tigre. De qualquer modo, não o entenderíamos, também).

Nenhum comentário: