quinta-feira, 17 de abril de 2008

Adbias Abdul Abdei

Quando criança – não me lembro exatamente em que idade –, meu pai me contava as histórias de um personagem que havia criado.E por ser um sujeito muito bem-humorado e engraçado seu super-herói fugia um pouco dos padrões; tinha um nome bem singular: Abdias Abdul Abdei.

A história desse herói era realmente impar. Abdias Abdul Abdei, fôra um dia o japonês Joaquim da Silva, isso até comer um estrume de vaca que havia sido bombardeado por raios laser provenientes de um disco voador de origem desconhecida. Ele não se transformara logo em Abdias Abdul Abdei, o japonês, Joaquim da Silva tornou-se Gertrudes, a telefonista.

Conhecendo os pais de hoje, sei que muitos deles torceriam o nariz para esse tipo de androgenia. Um jovem pai disse que não gostava que o filhão assistisse aos desenhos do Bob Esponja, que como todos sabemos é homossexual assumido. O japonês Joaquim da Silva foi o primeiro caso de mudança de sexo que tive notícia. Que eu me lembre a coisa não parava por aí. Essa Gertrudes ao gritar o nome Aaaa-bdias... Aaaaa-bdul... Aaaaa-bdei, transformava-se então no tal. O porquê de alguma pessoa, algum dia de sua vida, vir, por um acaso, a pronunciar tal nome (assim como o porquê de um japonês ter comido esterco – bom, vai ver que ele leu na bíblia: Ezequiel 4:12) nunca sequer passou pela minha cabeça. Essas questões nem viam ao caso.

O tal do Abdias era um tipo atrapalhado, feio, não dispunha de absolutamente nenhum superpoder. Era um típico anti-herói. Contra quem ele lutava? Jamais se soube. Sei que um belo dia, ao receber a notícia de que sua mãe (?) tinha um problema no abdômen, indagou: Abdômen? Pronto, transformu-se no destemido Abdômen! Forte, robusto e bonitão, Abdômen combatia o crime com a ajuda do cehfe de polícia, e seu maior inimigo era o vilão Abnegado, que por sinal era ele próprio depois de saborear uma deliciosa mandioca. Bom, basicamente essa era a estrutura da série de histórias que meu pai me contava. Lamentavelmente, eu não me lembro de nenhuma em particular.

Se é que alguém teve a paciência de chegar até aqui após ler toda essa maluquice, pôde perceber que o herói criado por meu pai era uma espécie de transformista, pansexual, com distúrbio de personalidade (o Bob Esponja perde de goleada). É engraçado como reunia todos os arquétipos tradicionais em um só: era mocinha, o bufão, o herói e também o vilão (sem falar que ele ainda era o pobre camponês comedor de estrume). Na verdade, Abdias era a oposição entre a dualidade entre bom e mal e a planificação dos personagens infantis.

Minha memória é bem curta. Tenho uma limitação abissal de souvenires de meu passado guardados comigo. Wittgenstein (sempre ele), chegou a dizer – no final do Blue Book, salvo engano – que só o presente era o caso (estou parafraseando); já que nós precisamos dele para trazer de volta as lembranças do passado, e esse passado só se realizam de fato no presente. Assim, às vezes, reservamos um momento ou outro que nos faz sorrir no canto da boca nos lembrando de nossos souvenires de tempos atrás.

Bom, mas essas histórias talvez tenham me ajudado a esquecer os "quando", "porque", "para quê". Além de me deram uma boa bagagem para entender, por exemplo, Monty Python e filosofia da linguagem. Sabe, aquela coisa, não é porque você consegue formular perguntas que com "Por que" + "substantivo" + "verbo" + "adjetivo" (ou seja lá qual seja a variação) é que tenha de ser assombrado pela dúvida que ela provoca.

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